“Tá perfeito. A gorda com o Down”. Segundo Cássia, de 32 anos, tá mesmo: a frase, dita com a intenção de ofender, já não gera mais o mesmo sofrimento de quando foi escutada pela primeira vez. Desde que a cabeleireira começou a circular com Rodrigo Torres, há quatro anos e nove meses, o repertório de absurdos relacionados à aparência do casal variou. No começo, as pessoas falavam apenas da Síndrome de Down dele. Com o tempo, ela ganhou 25 kg por problemas de saúde, e passou a se tornar alvo de ofensas também, numa dolorosa rotina de preconceitos.
Rodrigo, de 35 anos, é descrito pela amada como responsável e de bem com a vida. É ele, inclusive, quem acalma a mulher diante das corriqueiras atitudes preconceituosas. “Parece que somos dois aliens”, diz ela, rindo ao telefone durante a entrevista ao mencionar o quanto os dois chamam atenção na rua. Mas, quando Cássia se torna alvo de bullying, a tranquilidade parece abandonar o mensageiro de hotel:
— Uma vez estávamos na praia e alguém me chamou de baleia. Ele queria responder, mas eu o convenci a deixar para lá. São pessoas pobres de espírito — diz a cabeleireira, que decidiu contar sua história de amor depois de ver um vídeo na página do EXTRA que conta a história de Thaís Carla e Israel, hostilizados por conta de suas diferenças físicas.
Cássia não tem a menor dúvida de que está diante de um relacionamento especial. "Ele é o amor da minha vida", garante. Por telefone, era possível ouvir a voz embargada ao falar de Rodrigo, a calmaria que encontrou depois de um primeiro casamento repleto de abusos físicos e emocionais.
— Às vezes ele me pergunta o que vi nele. Hoje posso dizer que vi um homem incrível, que não ficou escondido pela Síndrome de Down. As pessoas, infelizmente, ficam com medo da diferença e não percebem o que percebo. Fazem cara de nojo, fazem comentários malvados sobre a gente. Mas não tem problema — completa.
Rotina de preconceito
Uma vez, no ônibus, Rodrigo teve problemas para passar o cartão. “Anda logo, retardado”, ouviu. Cássia estava com ele, e não era sua irmã ou cuidadora, como a maioria das pessoas supõe quando se depara com o casal. E, na qualidade de alma gêmea dele, não deixaria o desaforo barato. Furiosa, obrigou a mulher a descer do ônibus.
Rodrigo, que já sofreu mais com o preconceito, está acostumado a apaziguar esse tipo de situação. E, justamente por saber da reação das pessoas, demorou a revelar que tinha Down quando começaram a namorar. Só tocou no assunto três meses depois de começarem a se ver, quando os dois já estavam prestes a namorar. “Acho que você vai me deixar depois que te contar”, disse, nervoso. Mas Cássia já havia notado pela fala e características do corpo dele desde a primeira vez que o vira numa boate em Praia Grande, em São Paulo, onde vivem. De aliança de compromisso no dedo, era a hora de enfrentar as famílias.
— Tivemos muito problema com parentes, tanto de um quanto de outro. Achavam que eu queria alguma coisa dele, que nosso amor era impossível. Estamos juntos há quase 5 anos, mas só agora as pessoas estão começando a aceitar. É amor de verdade — contou.
Enquanto correm os trâmites que darão aos dois a certidão de casamento, o casal sonha com uma criança — sem se importar se ela trará ou não a herança genética mais tão temida por Rodrigo.
— Não me importa como virá nosso filho. Acho que um casal que tem uma criança com Down é abençoado por Deus. Se o meu vier, vou encarar como um presente. Também pensamos em adotar, porque tenho problemas para engravidar, e Rodrigo teve essa ideia. Como será o bebê não importa. Temos muito amor para dar — completa.
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