Gente apaixonada se apega a qualquer coisa. Qualquer fiapo de esperança serve, qualquer ideia esquisita que ofereça conforto.
Uma amiga veio ontem com uma conversa desconcertante: não tem importância se a gente está apaixonada e o outro não está. Que mal faz se a gente gosta e outro não? “A gente aproveita e pronto”, disse.
Quem ela está tentando enganar?
É evidente que aquilo que o outro sente por nós é importante. Faz diferença se ele nos procura ou não procura, se ele deseja nossa companhia ou apenas transa e desaparece. Sentir aquela coisa aguda e doce pelo outro e perceber que ele não sente o mesmo por nós é terrível. Machuca. Queremos ser amados. Não basta amar. Não basta transar. Não basta ter o outro de vez em quando em nossa casa. Quem ama quer amor, nada menos.
Se expor à ausência de amor do outro é uma experiência dolorosa.
Toda mulher adulta já passou pela situação que minha amiga está vivendo, apaixonada por um sujeito que apenas gosta de transar com ela. Quando ela chama, ele vem. Ele raramente chama. Quando estão juntos, ela contém as demonstrações de afeto, com medo de afastá-lo. Para ele, a relação eventual e limitada está perfeita. Ela é quem sofre. Quer mais. Está apaixonada e quer que ele sinta o mesmo.
Não sei se essas situações têm solução.
Da última vez que falei com minha amiga, dez dias atrás, ela estava tentando seduzir o sujeito, fingindo-se menos interessada do que ele. Não funcionou, claro, porque a relação é desigual. Ele tem poder sobre ela, não o contrário. Como seduzir alguém nessa situação? Eu não faço ideia.
A conversa de ontem da amiga – “e daí que ele não gosta de mim”? – parece uma tentativa desesperada de adaptação. É uma forma de evitar o sofrimento mudando a expectativa: se esperar menos, sofrerei menos. Eu temo que não vá funcionar. O sentimento dela pelo sujeito não vai mudar por causa desses jogos mentais. E o sentimento é a origem do desconforto: quem gosta espera ser gostado. Não há como escapar disso.
Vendo de fora, o melhor a fazer seria cair fora e esquecer o sujeito. Não telefonar, não chamar. Se ele chamar, nem atender. Já fizeram isso comigo e – devo dizer – funciona. Você não vai se apaixonar pela mulher que age assim, mas passa a respeitá-la. Ao menos ela se cuida, se protege, mostra que você e sua varinha mágica não são indispensáveis. É uma lição de humildade.
De fora é simples, porém. De dentro é mais complicado. O interesse pelo outro pode virar uma obsessão. A gente quer ouvir a voz, ver, tocar. Às vezes, ser humilhado e maltratado também serve, desde que a pessoa se dirija a nós, desde que lembre da nossa existência, desde que se emocione com a gente – ainda que seja com pena, raiva ou desprezo.
Mas isso já está no terreno da patologia amorosa, aquele momento em que você não sabe direito quem é você e quem é o outro, e a ausência dele – ou dela – se torna insuportável. O que fazer nessa situação? Eu, quando me senti assim, corri atrás de um analista. Melhor do que atirar para todos os lados e ferir a si mesmo, como acaba acontecendo.
Quem se coloca à disposição do outro, incondicionalmente, implode, sangra e não obtém o que deseja. Se alguém souber de exemplo contrário, me conte. Eu desconheço.
O que é muito comum, e pode estar acontecendo com a minha amiga, é ficar obcecado por quem não gosta da gente. Ela é atraente, feliz, sedutora. Teria sucesso com nove dos dez homens que escolhesse. O que ela faz? Se apaixona pelo décimo cara, aquele que não está interessado nela. Por que faz isso? Não sei, mas eu mesmo já agi assim e conheço gente que só funciona desse jeito, se apaixonando pela rejeição.
Acho que falta na gente, em diversas situações amorosas, algo que eu chamaria de impulso da felicidade. Ele não é a mesma coisa que o desejo. O desejo é burro e cego, pode nos lançar em situações de sofrimento sem saída. Somos especialistas em desejar o que não podemos ter.
O impulso de felicidade – tal como eu vejo - é uma força que zela pela nossa integridade psíquica e emocional. Ela acende a luz amarela quando uma roubada se apresenta. Ela impõe a luz vermelha no limite do sofrimento. Ela nos lembra que o sentimento por outra pessoa não pode nos destruir. Quando ameaçamos nos atirar nos braços da infelicidade, o impulso da felicidade está lá para nos conter. Ou deveria.
Como somos romanticamente treinados para sofrer, mais do que para ser felizes, a pulsão de vida nem sempre funciona. Assim, nos deixamos dominar pela melancolia e nos deixamos envolver por sentimentos e pessoas que nos fazem mal – criando explicações e justificativas para algo que nem deveria acontecer.
Se as coisas nos fazem mal, deveríamos nos afastar delas, ou buscar ajuda para fazer isso. Se apaixonar pelo sofrimento é uma tragédia afetiva tão comum que a gente esquece como ela é grave, e como atrasa e entristece a nossa vida.
Enfim, esse negócio de aproveitar apenas o que o outro tem para dar só funciona com gente que não é romântica. Gente prática e desapegada, que calha de não estar apaixonada. Os apaixonados, inevitavelmente, sofrem ao menor sinal de indiferença. Precisam de atenção e reciprocidade. São carentes. São humanos. São como eu, você e a minha amiga.
IVAN MARTINS
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