Uma amiga me conta que saiu três vezes com um cara e se apaixonou. Ele não. Ela diz que ouve músicas, lembra dele e manda mensagens. Ele não. Ela disse de várias maneiras que gostaria de encontrá-lo de novo. Ele não. Ela está desistindo do sujeito. Ele, provavelmente, ficará aliviado.
Objetivamente, não há nada que a amiga possa fazer nesse caso. Se o cara ligar daqui uns dias, ela pode topar um novo encontro, sabendo o que a espera. Ou pode respirar fundo e mentir: “Não, obrigada. Tenho outros planos”. Talvez seja melhor.
Quem acredita em mudar os sentimentos dos outros com declarações de amor, insistência, indulgência ou gestos grandiosos, deveria repensar: aquilo que as pessoas sentem pela gente, assim como aquilo que sentimos por elas, não pode ser induzido ou criado por atos de vontade.
O afeto é uma coisa gratuita, quase mágica, que está aquém do controle e da racionalidade. Conexões que não são inconscientes e espontâneas – aquelas que resultam de chantagem e manipulação - costumam ser frágeis, inconsistentes. Não têm raiz emocional profunda, e por isso não oferecem segurança. Todo manipulador sabe disso, daí a sua permanente insegurança.
Não há novidade alguma no que eu estou dizendo, claro, mas é sempre bom voltar a esse assunto. Assim como a minha amiga, estamos todos constantemente expostos a esse tipo de dilema: o que fazer diante da recusa ou desinteresse de quem nos cativa?
Minha resposta, para 100% dos casos, é simples: não faça nada. Se você deixou claro o que deseja, a bola está no campo do outro. Deixe ele decidir o que fazer com a informação. Se decidir ignorá-la, não era para ser. É simples assim.
Mas é comum que, nessas situações inquietantes, as pessoas encontrem justificativas para fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Sentar, esperar e aceitar não parece ser simples, embora seja.
O que mais incomoda a minha amiga – por exemplo – é que a intimidade com o sujeito que não a quer mais foi apaixonante. Ela está convencida de que para ele também foi uma experiência transcendente, o que torna a reação do cara incompreensível. Na cabeça dela, isso justifica a necessidade de procurá-lo “A gente sabe essas coisas”, diz ela.
Sabe mesmo?
Eu acho que sabemos muito pouco sobre os sentimentos dos outros. Podemos detectar sexo bom, é verdade, mas, mesmo assim, de forma limitada. Mulheres podem fingir e homens podem tomar Viagra. Quando se trata de sentimentos, é pior. Se a pessoa faz silêncio e nos abraça, o que significa? Eu nunca soube, e talvez fosse melhor não saber.
O envolvimento entre duas pessoas contém uma poesia que não pode ser fabricada. Ele se baseia em sensações de toque e percepção de beleza, mas se ancora sobretudo numa vasta subjetividade, que é ao mesmo tempo essencial e invisível. Há algo na maneira da pessoa olhar ou falar que nos comove – e que é tão importante quanto o conteúdo do que ela diz ou a maneira como ela se move. Seu corpo inteiro, e a personalidade que o anima, falam com a gente, mesmo em silêncio.
É uma pena que a conexão nem sempre funcione nas duas direções.
Às vezes, mulheres como a minha amiga se queixam de que os encontros não ocorrem porque os homens são emocionalmente insensíveis, ou agem para evitar envolvimentos. Eu acho que isso não é verdade. Acho mesmo que essa é uma forma ruim de autoengano.
É claro que há homens babacas que passarão a vida contando (e divulgando) quantas mulheres comeram. Mas eles, assim como as mulheres frívolas, são minoria. A maioria se envolve, sim. Muito e profundamente. Mas nem sempre. E certamente não com todas as mulheres com que se deitam.
Talvez aí resida uma diferença entre homens e mulheres que resistiu às reviravoltas sociais dos séculos XX e XXI: muitas mulheres ainda tendem a associar uma boa experiência de sexo com amor.
A amiga que abre este texto é um bom exemplo. Separada desde o carnaval de 2016, ela só transou desde então com dois caras, e se apaixonou pelo segundo na primeira noite em que dormiram juntos. Alguém poderia dizer que ela está carente, e não estaria inteiramente errado, mas ela não é um caso isolado. Outra amiga, separada mais ou menos na mesma época, resumiu assim a situação dela: “Por mim, namoraria com todos os caras com quem eu transo gostoso. Eles é que não querem”.
É verdade. Muitos homens não querem. No mundo masculino, sexo e afeto moram em casinhas separadas. É preciso um pequeno terremoto emocional para que elas encostem uma na outra. Se o terremoto não acontece, o bom sexo continua sendo apenas sexo. Não cria o vínculo emocional para sustentar uma relação.
Não sei se existe uma forma de resolver esse aparente descompasso entre homens e mulheres. Nem mesmo sei se ele é um problema. As coisas estão mudando tão rapidamente, e de forma tão intensa, que é provável que também nisso a sensibilidade feminina se altere. Dentro de alguns anos, a maioria das mulheres talvez venha a sentir e agir exatamente como os homens. Talvez então os homens passem a se queixar da insensibilidade feminina. Ou talvez todos parem de reclamar e sejam mais felizes. Tudo é possível.
No presente, ainda temos de lidar com os nossos desapontamentos afetivos. Homens e mulheres. A Fulana não ligou. O Sicrano nem respondeu minhas mensagens. Que filho da puta!
Essas coisas perturbam e entristecem, e tendem a ocorrer com frequência cada vez maior. Afinal, estaremos entrando e saindo de relacionamentos a vida inteira. Nos intervalos, experimentaremos longos períodos na condição de avulsos - testando, recusando e sendo recusados. Nos divertindo e sofrendo.
Quem tiver a pele fina, for muito teimoso, ou cultivar ilusões de onipotência, vai sofrer mais do que a média, desnecessariamente.
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