domingo, 11 de setembro de 2016

Para lidar com a dor do outro, é preciso suavidade.

domingo, 11 de setembro de 2016


Primeiro abuso: o pai
Uma criança de treze anos é abusada pelo próprio pai. Engravida. E aí a situação muda de figura. Porque o silêncio que a família faz a respeito do abuso, com uma barriga crescendo, já não é mais possível. A barriga mostra o que a família esconde.
Segundo abuso: a família

Ela denuncia o pai. Consegue, na justiça, fazer o aborto. Aborto feito, a barriga desfeita, a família pressionou para que ela mentisse e inocentasse o pai. Ela, se vendo sem saída, mentiu e o inocentou.
Nenhuma novidade nisso. Famílias escondem abusadores desde que o mundo é mundo. Muitas não só defendem o abusador. Mas ainda culpam e acusam a criança pelo abuso sofrido.
Já vi mães (mães?) acusarem:
- Ela que seduziu.
- Ela sentava no colo dele. (Mas não é pai dela? Filhos não sentam em cima da gente?)
- Ela abraçava e beijava. (E não é para abraçar e beijar seus pais?)
Já vi mães (mães?) duvidarem. E já vi as que fazem de conta de que não foram comunicadas do fato. Fazem ouvido de mercador e deixam por isso mesmo.

Muitas são as crianças que não contam. Por medo de serem acusadas. Por medo de que não acreditem nelas. Por medo do que essa bomba vai causar na família. Muitas são chantageadas:
- Sua mãe vai me mandar embora. Seus irmãos vão ficar sem pai por sua causa.
- E vocês vão morar onde? Vão sair da minha casa? Essa casa é minha.
Já vi mães ficarem com o homem e mandarem a filha para longe. Casa de avó, madrinha, em outros estados. Acham que resolvem o problema.
Você, só, suportaria toda a família contra você? E contaria com quem? Aos treze anos? Pense bem.
Terceiro abuso: a justiça
Um exame de DNA no feto comprovou que o bebê era do pai. Imagino que um fato dessa importância deva estar nos autos do processo. Se você é promotor de justiça, não olha o processo antes de sair falando? Pois o promotor de Justiça do Rio Grande do Sul Theodoro Alexandre da Silva Silveira talvez tenha pulado essa folha.
“Pra abrir as pernas e dá o rabo pra um cara tu tem maturidade, tu é autossuficiente e pra assumir uma criança tu não tem?“

Gente, não se fala assim com ninguém. Principalmente com uma menina, uma criança sofrida, vítima de estupro. Se a filha fosse minha, tinha pulado o que fosse e dado na cara dele. Ia presa? Nem ligo.
O triste é que, mais uma vez, a menina não teve ninguém para lhe defender.
Não falamos de uma mulher que escolhe onde, quando e com quem quer resolver seu desejo sexual. Falamos de uma criança! Uma criança não abre as pernas. Não dá o rabo! Olhe bem a diferença.
E o senhor continua:

“Tu é uma pessoa de sorte, porque tu é menor de 18, se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora, pra tu ir lá na Fase, pra te estuprarem lá e fazer tudo o que fazem com um menor de idade lá."
Fase é fundação de atendimento sócio-educativo. Lá estupram crianças? E ninguém faz nada? E ainda mandam crianças para lá ameçando com o fato de que serão estupradas? Só eu estranho isso?
Tomo aqui a liberdade de indicar a necessidade urgente de uma avaliação psicológica para esse homem. Ele está destemperado. Fora a caixinha! Há crueldade maior do que a fala desse homem? Que judiação expor uma menina a isso. Eu me pergunto por que ninguém fez nada?
A juíza Priscila Gomes Palmeiro não se manifestou. Uma juíza que assiste a isso e nada faz é o que? Tinha dado uma saidinha? Onde estava?
"Tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa carinha de anjo".
Cabe uma pergunta que me incomoda. Se o filho é do pai, é filho ou é irmão? Já pensou a respeito? Uma criança na vida de outra. E na certidão o que se colocaria no nome do pai?
"Eu vou me esforçar o máximo pra te pôr na cadeia. Além de matar uma criança, tu é mentirosa? Que papelão, heim? Vou me esforçar pra te ferrar, pode ter certeza disso, eu não sou teu amigo”.
Sobre o aborto, o promotor de Justiça Theodoro Alexandre da Silva Silveira se esquece de que a menor foi estuprada. É um direito que lhe cabe. Não foi crime, foi direito. Artigo 217-A do Código Penal. Esqueceu, promotor? Dá uma revisada aí.

Esse homem fala o que muitos calam. Lamentavelmente, no nosso país, mulher abusada vira ré. A gente tem medo de denunciar. Medo dos olhares de descrédito. Vergonha de ainda passar por culpada quando a gente é apenas vítima.

Até quando vai ser assim? Nós as desenvergonhadas. Nós a Eva corrompendo o paraíso. Nós a serpente em pessoa, atentando para o pecado. Nós mortas a cada dia por pedir proteção e não levarem a sério. Basta! É preciso mudar. Respeito é bom e a gente gosta. Aliás, exige.
Essa menina vem passando pelos piores pesadelos. Desrespeitada, abusada, exposta, injuriada. Como é possível que uma pessoa que faz parte da nossa justiça se comporte de modo tão destemperado e insano?
É uma vergonha que episódios como esse aconteçam com esses meninos já tão sofridos. Crianças abusadas precisam ser ouvidas. Se sentir seguras. Respeitadas. Queridas. Não podemos permitir que pessoas despreparadas emocionalmente se envolvam nesses processos.
Abusada pelo pai, pela família e pela justiça. Que Deus tenha piedade dessa criança. Que os homens da lei percebam que é preciso uma escolha de pessoal mais preocupada para quem vai tratar de situações tão delicadas.

Esse caso ocorreu na cidade de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, em fevereiro de 2014. Só agora o caso veio à tona. Antes tarde do que nunca. Mas acreditem, sempre é tarde para quem sofre.
Para lidar com a dor do outro, é preciso suavidade. Um olhar mais atento, amoroso. Quem não sabe fazer com carinho, que pelo menos, mantenha distância segura das nossas pequenas vítimas. Muito ajuda quem não atrapalha.



Mônica Raouf El Bayeh


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