segunda-feira, 14 de agosto de 2017

‘Não respondia por mim’, diz mulher que levou arma para hospital após violência no parto

segunda-feira, 14 de agosto de 2017
Caso gera comoção nas redes e movimenta grupos que denunciam abusos obstétricos


SÃO PAULO — A história da dona de casa Paula de Oliveira Pereira, de 28 anos, tem mobilizado as redes sociais. Presa por ter carregado uma arma para o parto de seu quarto filho, por temer sofrer violência obstétrica, ela foi absolvida na última semana. Ao GLOBO, Paula disse nesta quinta-feira estar arrependida e que estava "fora de si" durante a gestação porque, na anterior, foi submetida a maus tratos por parte do hospital. Grávida novamente, afirma que não repetiria o gesto.
O caso ocorreu em agosto do ano passado. Depois do surto, Paula foi submetida a uma cesárea de emergência e acabou detida por porte ilegal de arma. Ela passou 21 dias no Centro de Detenção Provisória (CDP) Feminino de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Afastada do filho recém-nascido, que só pôde conhecer ao obter o direito de responder ao processo em liberdade, disse ter vivido "uma tragédia". A juíza Alena Cotrim Bizarro, da 2ª Vara de Itapecerica da Serra, absolveu Paula por entender que ela não tinha a intenção de ferir alguém.
— Eu estava no meio de um surto, então se estivesse em condições normais jamais faria uma coisa dessas. Mas eu estava tão abalada que não respondia por mim. Eu não faria isso de novo nunca, jamais — contou ao GLOBO.

Moradora de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, Paula vive em uma casa de apenas um cômodo com os quatro filhos e o marido desempregado. Em 2015, em trabalho de parto do terceiro filho, disse ter ficado sozinha no ambulatório de um hospital da rede pública sentindo dores e sem acompanhamento de médicos e enfermeiros. Ela contou ter caído da maca com a barriga voltada para o chão. Ninguém verificou se ela ou o bebê passavam bem depois da queda. Durante o parto, uma enfermeira teria se debruçado sobre sua barriga para pressionar a saída do bebê - procedimento conhecido como manobra de Kristeller e desaconselhado pelo Ministério da Saúde. A criança nasceu de parto normal e sem sequelas. A mãe, por sua vez, ficou muito abalada e ficou semanas sem conseguir levantar da cama.


Ao descobrir a quarta gravidez, Paula temeu reviver a angústia da experiência anterior. Pediu aos médicos que realizassem uma cesárea, mas disse que seus pedidos foram negados quando chegou ao hospital, em outra unidade da rede pública. No desespero, decidiu levar uma arma: ela diz que o intuito não era ameaçar os profissionais, mas sim aplacar o próprio sofrimento.
— Eu tinha, na minha mente, a ideia de tirar a minha vida, porque assim eu acabaria com o sofrimento mais rápido. Em nenhum momento pensei em tirar a vida de ninguém.
A arma foi descoberta pela avó da criança, que recebeu uma mensagem da gestante relatando o desejo de se matar caso não conseguisse realizar a cesárea. A polícia foi acionada e a dona de casa foi presa por porte de arma ilegal três dias após dar à luz. Na decisão que a inocentou, a juíza afirmou que Paula se encontrava em estado de "desordem emocional" e que a ação não colocou em risco a segurança pública. O caso, que foi arquivado na última segunda-feira, foi revelado pelo jornal "O Estado de S.Paulo".
Apenas depois de passar pela experiência de ser presa e ter tido contato com autoridades, Paula foi informada de que, na verdade, foi vítima de violência obstétrica em seu terceiro parto. Mesmo ciente de que poderia denunciar o caso ao Ministério Público, não manifestou o desejo de processar o hospital que a atendeu.



— Acho que não vale a pena entrar com o processo, porque é muito desgastante. Vai ter audiência e demanda muito tempo. Já passei por tantas coisas, não quero mais um trauma.
Disposta a ajudar outras mães que passaram pela mesma situação, Paula procura seguir com a vida. Grávida do quinto filho, ela espera que a gestação seja mais tranquila do que a anterior. Até o momento, diz estar mais segura e confiante de que será melhor amparada.
— Estou mais tranquila, porque tenho recebido a ajuda de um médico especializado em parto humanitário. Já conversamos algumas vezes por telefone e tenho uma consulta marcada para a próxima semana. Senti muita segurança nele, porque agora sei que não enfrentarei mais descaso — conclui.










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