O olhar de Andreia Magalhães é perdido. Ela parece esperar que os filhos, Maria Nina, de 10 anos, e Bernardo, de 6, entrem a qualquer momento na sala de sua casa, pulem em seu colo e lhe encham de beijos, como costumavam fazer. A impressão, ela revela, é de que os meninos estão viajando e que logo voltarão. É difícil aceitar que não terá mais as crianças. Seus filhos foram mortos a facadas, na madrugada do último domingo, dentro da casa do pai, Cesar Antunes Junior, ex-marido de Andreia, que se jogou do 5º andar do prédio onde morava. A polícia acredita que ele tenha assassinado os filhos por ciúmes da ex-mulher. Andreia deu uma entrevista ao EXTRA com exclusividade.
Quando você e o Cesar se conheceram?
Foi há mais de 12 anos. Nós nos casamos em janeiro de 2004. Fomos apresentados por uma amiga em comum. Ele era uma pessoa extremamente envolvente, inteligente e muito carinhosa. Engraçado, né? Foi a pessoa que mais me faz mal, mas também a que mais me deu mais carinho. É tão contraditório..
Ele sempre teve depressão?
Sim. Desde que nos conhecemos. Era uma depressão crônica. Tomava medicação, fazia terapia, ia ao psiquiatra. Ele tinha acompanhamento.
E como era a relação de vocês?
Ele era muito controlador, ciumento. Nunca me incomodou porque nunca dei motivo pra nada. Mas esse jeito piorou muito depois que meus filhos nasceram. Ele tinha ciúme dos meninos. Até da amamentação ele tinha ciúme. Era uma pessoa de convivência muito difícil e como eu sou muito pacífica, deixava passar. Mas teve uma hora que não aguentei mais. Tivemos algumas pequenas separações até essa última que foi definitiva. A convivência com ele era muito difícil.
E com as crianças, como ele era?
Ele era muito carinhoso. Apaixonado pelos filhos. Nesse último ano, várias vezes estive para entrar com denúncia de alienação parental. Quando Bernardo ficava com ele, voltava dizendo que eu tinha acabado com a nossa família. Teve uma época que eu falei ao Bernardo que ele não veria mais o pai. O menino ficou desesperado, chorava. Era uma situação muito difícil. Minha filha chorava porque dizia que não podia deixar o pai sozinho. Vivi um inferno. Eu errei, mas foi porque eles amavam muito o pai e eu não tinha coragem de tirar o convívio total. Eu tinha que ter cortado, mas não imaginando que ele faria essa crueldade, mas sim por uma questão de saúde mental dos meus filhos. O que ele fazia deixava meus filhos perturbados.
Ele nunca foi agressivo com as crianças?
Nunca. Ele dava tapas de forma educativa. Dava chinelada. Mas não era de espancar, nada disso. As crianças eram apaixonadas pelo pai.
E com você, ele era agressivo? Tinha violência na relação?
Tinha tortura psicológica. Bem grande. Mas nenhuma agressão física. Teve uma hora que não aguentei mais e sabia que tinha que sair daquilo pra ficar bem e pra salvar meus filhos. Mas eu não consegui. Eu falhei e infelizmente isso custou a vida dos meus filhos. Mas eu nunca imaginei que chegaria a esse ponto. Se soubesse, pegaria eles e sumiria.
Essa paixão das crianças por ele tornou a situação ainda mais difícil?
Sim. Minha vontade era de separar logo mesmo, mas eu pensava muito no sentimento das crianças, entendeu? O quanto elas ficariam abaladas nesse sentido. Pra mim, é muito difícil. Porque eu deveria ter feito isso antes. Talvez eles estivessem aqui comigo. Se bem que eu acho que ele estava com tudo tão arquitetado, que faria de qualquer jeito. Mas estou procurando não pensar no que poderia ter acontecido se fosse isso ou aquilo porque é algo enlouquecedor, insuportável. Estou procurando não lembrar dele. É como se fosse um vácuo na minha vida. Como se não tivesse existido.
Você acha que o crime foi premeditado por ele?
Sim. Ele estava planejando isso. Acho que ele quis dar um dia extremamente feliz para as crianças no sábado porque já estava com tudo planejado. E meu arrependimento é imenso de ter deixado o Bernardo com ele naquele dia. E ele não fez isso porque eu postei minha comemoração de aniversário no Facebook. De qualquer forma, eu não ia deixar de postar minhas coisas. Não podia deixar de viver. Ia virar prisioneira dele? Que vida eu daria pros meus filhos vivendo assim? Não sou eu a doente. O doente era ele.
O que aconteceu na madrugada em que o Cesar teria matado seus filhos? Ele te ligou?
Sim. Eu deixei o celular carregando na sala e não ouvi a ligação. Por volta das 3h, ele ligou pro telefone de casa, minha mãe atendeu e passou pra mim. Aí ele me disse que o Bernardo estava com febre e que tinha dado analgésico, mas que nada havia mudado. Pra mim, nessa hora, ele já tinha matado as crianças. Ele queria que eu fosse lá na casa dele. Desliguei e comecei a pensar o que fazer porque sabia que tinha algo estranho, mas estava com medo de ir sozinha. Quando deu umas 4h, ele me ligou de novo e eu disse que estava indo para lá. Ele disse que não precisava mais porque as crianças estavam mortas. E falou que mandaria as fotos deles e se jogaria. Disse que minha vida tinha acabado e desligou. Daqui a pouco, chegaram as fotos das crianças. Eu quis acreditar que era armação dele. Entrei em pânico.
Em algum momento você imaginou que isso poderia acontecer?
Não, isso não passava pela minha cabeça. Eu imaginava que ele poderia me matar, mas não que faria algo com as crianças. Ele me odiava porque eu o abandonei. Mas fazer isso com as crianças nunca passou pela minha cabeça. Ele acabou com a minha vida. Eu vivia para os meus filhos.
Mas quando você entrou com o pedido de medida protetiva (no mês passado), não achava que algo poderia acontecer?
Eu achei que deveria fazer aquilo, mas não por temer agressão às crianças. Era para manter a sanidade deles, dar paz e tranquilidade para eles poderem seguir a vida deles como crianças normais. Era só isso que eu queria.
Ele era obcecado por você?
Era posse. Ele queria controlar. Como se ele fosse um senhor feudal e eu, as crianças e a casa fossemos o feudo dele. Aquilo não era amor. Amor não é isso.
Você chegou a falar com a família do Cesar depois do que aconteceu?
No domingo, uma amiga ligou para saber quando seria o enterro porque os pais dele queriam ir. Estava muito revoltada e disse que não queria ter o desprazer de encontrá-los lá. Mas no dia seguinte me acalmei, liguei para a minha amiga e disse que eles seriam muito bem-vindos no enterro. Afinal de contas, a dor da mãe dele é muito maior do que a minha porque o filho dela é um assassino. Ele matou os netos e a Nina era a vida da minha sogra. Ela fazia tudo por aquela garota. Eu chegava a brigar com ela. E pensei que os pais dele não têm culpa. E no enterro, eu consegui abraçar minha sogra e pedi pra ela ficar em paz. Também conversei com meu sogro. Acho que eles são dignos de pena. Eu não sei se eu me recupero mais, eles muito menos. Olha o que o filho deles fez...
Como você se sente pelo fato da Justiça não ter concedido a medida protetiva que você pediu?
Sem dúvidas, essa medida teria salvado os meus filhos. É muito revoltante. Quando penso nisso, fico com muita raiva. Se tivessem determinado a afastamento dele dos meus filhos, eles poderiam estar aqui comigo vivos. Ele poderia tentar alguma coisa, mas ficaria muito mais difícil. Mas eles estariam mais salvaguardados aqui comigo. Apesar de eu não ter pedido a medida de afastamento por isso. Mas sem saber, eu estaria preservando a vida deles, a integridade física. É muito louco quando eu penso nisso.
A Justiça falhou com você?
Sem dúvidas. Se tem um indício de que a integridade física ou emocional de uma criança pode ser afetada, acho que a função da Justiça é proteger essa vida. Não é questão de ir a favor da mãe ou contra o pai. Depois, quando essa criança estiver protegida, você faz um estudo da situação. E se for verificado que o pai não é nada disso que estão falando, volta à situação normal. Porque se não tiver o afastamento, isso pode custar vidas. Isso tem que mudar. Queria muito que essa visão da Justiça mudasse. É muito desprezo por pedidos como o meu. Atrás daquele papel ali tem vida e com vida a gente não brinca. E eu gostaria que outras mães ou pais não passem por isso e que consigam proteger nosso bem maior que são nossos filhos.
Como você está lidando com tudo isso?
Pra mim, meus filhos não morreram. Eles estão viajando e daqui a pouco vão chegar aqui, como sempre chegavam, correndo. Me abraçavam e beijavam muito. Eram muito carinhosos. Mas pra mim, daqui a pouco eles estão entrando por aí. É muito difícil pensar que eu não tenho mais meus filhos. Ser mãe era o sonho da minha vida. O que eu mais quero agora é que meus filhos, onde eles estiverem, tenham paz e que estejam protegidos por pessoas que vão acolhê-los como eu poderia acolhê-los. Minha única preocupação é eles estarem bem. Eles adoravam bicho. Queriam cachorro, gato e até cavalo dentro de casa. Então eu imagino que eles estejam num campo muito lindo, com muitos bichos. Brincando muito, rolando na terra. Quanto a mim, vou vendo como vai ser. Vou vivendo um dia de cada vez.
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