Depois de sofrer uma desilusão amorosa, a procuradora federal cearense Karine Martins de Izquierdo, 37 anos, se viu perdida e frustrada.Vendo-a infeliz, um amigo decidiu levá-la para assistir a uma missa rezada por um padre colombiano. As palavras dele a encheram de fé. Mas logo percebeu que o sentimento que nutria ia além: estava apaixonada. Sentiu-se culpada, tentou lutar contra a atração, mas não houve jeito. O afeto era recíproco e o casal acabou se envolvendo. Hoje, tem dois filhos e uma linda história de amor para contar
Cresci numa família católica muito simples, em Campos Sales, no interior do Ceará, ao lado de duas irmãs mais velhas. Sempre fui romântica e, desde pequena, queria construir uma família perfeita. Gostava de me imaginar de branco, em direção a um noivo amoroso, que seria meu companheiro para o resto da vida. Tinha certeza de que esse dia chegaria. Aos 24 anos, já com um diploma de advogada nas mãos e estudando para concursos em Fortaleza, onde fiz faculdade, não tinha nenhuma perspectiva disso. Via casais se formando com a mesma rapidez com que se desfaziam. Parecia que o amor era coisa do passado e compromisso estava fora de moda. Apesar de jovem, para uma mulher criada longe da cidade grande, a idade já me pesava. Além disso, havia acabado de sair de um relacionamento turbulento, que me deixou completamente desiludida. Me sentia uma solteirona, com a vida profissional encaminhada e a pessoal em preto e branco.
Vendo-me angustiada e sem ânimo, um amigo me convidou para assistir à missa celebrada por um padre católico, colombiano, que tinha um discurso profundo. ‘Sei que não é qualquer palavra que convence você. Mas o padre Jesus Izquierdo é bem preparado, tudo que ele fala é tocante.’ De fato, a oratória e a gramática corretamente aplicada costumam conquistar minha admiração. E, sim, ele tinha mesmo esse dom. Já no primeiro sermão da missa, suas palavras me orientaram. Parecia que ele falava especialmente para mim. Se até então rezava para que fossem realizadas as minhas vontades, naquele momento entendi: era o querer de Deus que tinha de ser cumprido, não o meu. Me emocionei demais e comecei a frequentar a paróquia. Ia todo domingo e sempre levava alguém comigo – mãe, tia, sobrinha… Estava encantada e, mesmo inconscientemente, sabia que ali morava o perigo. Certamente por isso evitava qualquer possibilidade de contato direto com ele. Não participava dos eventos de confraternização da igreja e, ao primeiro sinal do fim do sermão, ia embora correndo.
Quando, durante uma missa, ele anunciou a abertura das inscrições para o crisma e avisou que não participaria do processo, fiquei motivada a fazer o curso. Fui às aulas, escolhi um padrinho, completei a preparação para receber o sacramento. Até que um dos monitores avisou: ‘Nesses últimos passos, todos deverão se confessar com Jesus’. Entrei em pânico. Estava absolutamente deslumbrada com a inteligência e a sensibilidade dele. Sabia que, se tivesse uma brecha, iria me apaixonar. Enquanto meus colegas foram crismados, inventei uma desculpa e abandonei o curso.
Passaram-se dois anos, e eu nunca havia estado melhor. As palavras do padre realmente me fizeram ver o mundo de outra forma. Me sentia disposta, confiante. Ainda não estava namorando, mas continuava estudando para os concursos com dedicação e, claro, frequentando as missas. Num domingo, anunciaram no púlpito que um dos líderes religiosos precisava de sangue. O tipo era exatamente o meu, O+, e quis ajudar. Em seguida, avisaram também que não seria mais o padre Jesus o celebrante da missa daquela noite. Aquele era o momento ideal para ir à secretaria da paróquia falar sobre a doação, pois não toparia com ele. À noite, voltei à igreja. Enquanto a secretária buscava a papelada da inscrição, ouvi atrás de mim: ‘Boa noite’. Depois de tanto escutar aquela voz, pude identificá-la sem nem precisar me virar. Fiquei tão mexida que, pela primeira vez, não passou pela minha cabeça fugir. Mal o olhei, desatei a chorar. Foi como se um filme passasse pela minha cabeça, mostrando como tudo havia melhorado desde que ele aparecera. Para me acalmar, ele pediu que o acompanhasse até sua sala. ‘Desculpe. Cheguei aqui, há dois anos, num estado de profundo desânimo…’, contei minha história, falei da busca pela pessoa certa, da vontade que tinha de ser mãe. Ele me ouviu sorrindo. Senti acolhimento, paz, um alívio enorme. E baixei a guarda. A partir daí, já não fugia das oportunidades de conversarmos e parei de evitá-lo.
Nesse meio-tempo, foi publicada no Brasil a versão em português da autobiografia de Gabriel García Márquez, meu autor predileto desde a adolescência. Li Viver para Contar em uma sentada e, como o autor era colombiano, assim como o padre Jesus, levei o livro à igreja para lhe emprestar. Ao fim da celebração, ele começou a atender as pessoas no altar. Aproximei-me quando a última foi embora, pus o livro em suas mãos e, antes que começasse a falar, ele disse: ‘Li a versão original logo que foi publicada. García Márquez é meu escritor favorito!’. Engrenamos uma conversa e comentamos algumas passagens da biografia. ‘Desde os 9 anos, ele está presente em minha vida’, contou padre Jesus, na época com 36 anos, dez a mais do que eu. ‘Já leu Do Amor e Outros Demônios?’ Gelei. Conhecia bem a história de Cayetano Delaura, um padre que se apaixona por uma mulher. ‘A troco de quê ele está falando sobre esse romance?!’, pensei. Continuou: ‘Uma vez, dei para um colega de congregação com a dedicatória: Que as inquietações de Cayetano jamais lhe açoitem’. E me contou que a brincadeira virou ofensa e a amizade foi rompida. ‘Fui encontrá-lo tempos depois, casado e à espera de um filho’, disse. Ouvi a história e, sem pensar muito, agarrei a oportunidade de perguntar: ‘E se isso acontecesse com o senhor?’. Ele respondeu sereno: ‘Não tenho certeza de que o que faço hoje vai durar para sempre. É o que pretendo, mas não há como garantir. A única coisa que sei é que, se Deus é amor, ele jamais me condenaria por amar’. Corri para o carro e, com os vidros fechados, chorei por horas seguidas.
Nossa relação estava cada vez mais próxima, mas se restringia à paróquia. Até que, semanas depois, enchi-me de coragem e o convidei para papear sobre García Márquez. Ele topou sem titubear e, na hora de seu intervalo, compramos sorvetes e saímos para caminhar no calçadão. Estava tão nervosa que pouco me lembro sobre o que conversamos. Mas jamais vou esquecer do momento em que ele me olhou nos olhos e disse: ‘Estou disposto a abandonar o sacerdócio por você. É forte demais o que sinto para fingir que não é real’. Fiquei em choque, não sabia como reagir. Ele continuou. ‘Mas não abandonaria isso tudo para viver uma experiência apenas. Quero construir uma história para a vida toda. Leve o tempo que quiser para pensar. Estou à sua espera.’ Nem sei descrever o que senti. Uma mistura de euforia com vontade de que o tempo congelasse naquele minuto. Nada mais importava no mundo. Respirei fundo e falei tudo o que julgava impossível dizer a ele. ‘Não preciso de tempo. É o mesmo que quero para mim.’ Meu primeiro impulso foi pular em seus braços, mas ele me segurou. Ainda era padre e disse que precisávamos esperar até ele sair da igreja – o que me deixou ainda mais apaixonada. Me contentei com um abraço forte. O mais importante da minha vida e que me fez redimensionar o que, até aquele segundo, eu chamava de amor.
Os momentos seguintes não foram nada fáceis. Enquanto eu era um poço de felicidade e expectativa, ele sofria um enorme conflito interior. Mas já havia aprendido a ter paciência e sabia que meu futuro ao seu lado dependia disso. Durante esse período, conversamos bastante. Tudo era uma grande surpresa para nós dois. Mas nosso amor era mesmo capaz de qualquer coisa e, agora que meu sentimento se tornara palpável, não ia desanimar. Nunca perguntei se Jesus era virgem. Ele também jamais questionou meus relacionamentos anteriores. A gente se quis e se aceitou daquele jeito. Logo em seguida, meus estudos renderam frutos e consegui uma vaga de servidora do Superior Tribunal de Justiça em Brasília. A distância ajudou a segurar a vontade de ficar grudada com ele dia e noite, ao mesmo tempo que a fazia crescer e crescer.
A viagem à Colômbia, para entregar as responsabilidades do sacerdócio, demorou mais nove meses para acontecer. Na volta, enquanto terminava a tese de doutorado, ele, que é sociólogo, foi viver comigo em Brasília. Esperei por sua chegada como uma menina espera por sua primeira vez. Assim que nos vimos, pulei naqueles braços com que tanto sonhava. Tratava-se realmente de um encontro de almas e tive (mais uma vez) a certeza: aquele era o homem da minha vida. Como Jesus adora cozinhar, vivíamos recebendo amigos em casa. Começamos a arquitetar nosso projeto de vida. Falávamos de casamento, filhos, viagens, o que nos motivava a estudar e trabalhar cada vez mais. Mas tanto empenho também nos distanciou. Depois de um ano no Centro-Oeste, assumi outro cargo, como analista do Ministério Público Federal, primeiro em Lages (SC) e depois em Juazeiro do Norte (CE). Já ele, virou professor da universidade em Fortaleza. Vivemos mais de dois anos a 500 quilômetros de distância. Os encontros eram deliciosos, mas só aconteciam aos fins de semana.
Nossas famílias ficaram muito felizes em nos ver juntos. Na paróquia, claro, foi um choque. Ele era muito querido pela comunidade, mantinha obras sociais, tinha a habilidade de congregar. Suas missas reuniam gente até do lado de fora da igreja. Mas nunca me senti hostilizada. Sinto que o intervalo entre o início de nossa relação, em Brasília, e a volta ao Nordeste foi suficiente para entenderem que nosso amor era sólido.
Em 2008, fui transferida para Mato Grosso do Sul. Jesus, então, pediu exoneração da universidade para me acompanhar e recomeçou a vida profissional como professor voluntário. No ano seguinte, passamos as férias em Cartagena, onde García Márquez havia morado. E, no penúltimo dia da viagem, fomos surpreendidos pelo próprio, no meio da rua. Quase fiquei sem voz. Pedi um autógrafo, eternizado na edição comemorativa de Cem Anos de Solidão. Depois disso, Jesus ainda foi para Natal. Também me mudei mais algumas vezes até ser transferida definitivamente para Campina Grande, em 2011, já como procuradora, e morar de vez com meu amor. O momento era perfeito para começar a pensar em filhos e engravidei de uma menina, que chamamos de Maria. Um ano depois, nasceu Theo. Jesus é um pai maravilhoso. Leva as crianças à escola, arrumaas para sair, dá comida, faz tudo. Vamos esperar que cresçam mais um pouco, para casar no religioso com eles junto. Não temos pressa, já somos abençoados. Mais do que isso: sentimos que nossa história está escrita nas estrelas. Tal qual um romance tem seu autor.
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