Era o final de uma tarde comum de domingo. Papai, mamãe e a bebezinha de apenas 17 dias voltavam para casa depois de passar o dia na pitoresca Morretes, encravada entre o mar e a serra, no litoral paranaense.
Entre os veículos que trafegavam pela mesma rodovia, avançava, como uma sombra sinistra, um dos (muitos) potenciais carros-bomba que ameaçam quase silenciosamente o trânsito brasileiro todos os dias. Literalmente um carro-bomba. O caminhão-tanque, transportando 44 mil litros de álcool, não cumpria naquela tarde de domingo os requisitos fundamentais de segurança: a mensagem no seu painel acusava com clareza uma falha no sistema de freios. Mesmo ciente da falha, mesmo ciente de que a falha afetava um dos sistemas mais delicados do veículo, mesmo ciente de estar carregando consigo uma bomba potencial, o motorista decidiu, como decidem tantos outros em situações semelhantes, continuar a viagem – como uma sombra sinistra, silenciosamente ameaçadora.
Quando o motorista perdeu o controle do caminhão e bateu contra a mureta de proteção, aquela explosão – que jamais poderia ter acontecido se as responsabilidades básicas tivessem tido importância – engolfou, num inferno de fogo e horror, nada menos que doze veículos. E era em um daqueles doze veículos que a viagem de volta para casa de um pai, de uma mãe e da filhinha de 17 dias foi abortada criminosamente.
Mas alguns heróis ainda tiveram tempo e espírito para, do meio do inferno, lutar milagrosamente pela vida naquela tarde que não podia, jamais, terminar daquele jeito.
Imagens de câmeras de segurança de um restaurante à beira da rodovia federal BR-277 mostram o instante em que um homem arranca e atira seus sapatos em chamas ao meio da pista e, segundos depois, é tragado pelas labaredas assassinas.
“O que a gente tem de informação, de duas testemunhas, é que ele saiu do carro pegando fogo, com a criança no colo, levou para um ponto mais alto, onde tinha grama, mais seguro, e a deixou no chão. Ela [a criança] já não estava com fogo, nem com nada, mas ele sim. Aí ele correu, para tentar eliminar essas chamas, para o córrego. Só que o córrego estava tomado de combustível líquido. Aí, aparentemente, por outros informes, ele caiu nesse córrego”, explicou Tadeu Nunes Filho, tenente do Corpo de Bombeiros.
À medida que novas informações vinham à tona em meio ao caos da tragédia, o dentista Sérgio Schacht contou que foi ele quem recebeu dos braços do pai a bebezinha: “Quando eu caí no buraco, tinha um senhor ali, com uma ‘coisa’ no colo. Quando eu vi, era uma criança. Ele só falava assim: ‘Filho, pega a criança’. Eu peguei. Quando eu fui pegar, ele esmoreceu e desceu”.
O corpo do pai, Luis Carlos da Silva, foi encontrado em uma galeria pluvial à margem da rodovia, na manhã de segunda-feira.
No fim da tarde da mesma segunda-feira, também foi localizado o corpo da mãe, outra vítima da crueldade de um homicídio em forma de “acidente”.
O motorista do caminhão-bomba, de acordo com a polícia, está preso e deverá responder por homicídio doloso, com dolo eventual, por ter assumido o risco de matar.
A bebezinha, levada ao Hospital Evangélico em Curitiba ainda na noite da tragédia, foi reconhecida pela avó graças a manchas de nascimento que só quem a conhecesse poderia mencionar.
Com menos de 3 semanas, a bebê sobreviveu a um inferno absurdo e está em boas condições – graças ao heroísmo de um pai que, torturado pelas chamas, se consumiu, literalmente, para livrá-la da morte; graças à coragem solidária de outro herói que, no meio do inferno, diante da visão estarrecedora de um pai que ardia em labaredas, a resgatou do horror e ajudou a transformar um fim de tarde trágico em esperança de vida; graças, certamente, aos brados de incentivo daquela mãe também vitimada, que, podemos imaginar, gritava do meio das chamas para que o marido a deixasse ali e corresse com a filha nos braços; corresse com todas as forças que tivesse.
Eles conseguiram. Eles deram à luz, pela segunda vez em 17 dias, uma filha de mártires.
Nenhum comentário:
Postar um comentário