quarta-feira, 20 de julho de 2016

BEM ME QUER, MAL ME QUER… – MUITO HÁ O QUE CONSIDERAR SOBRE A INVEJA, O INVEJOSO E O INVEJADO:

quarta-feira, 20 de julho de 2016
Por diversas vezes, um amigo próximo, sempre que nos encontrávamos, queixava-se sobre o comportamento agressivo, às vezes dissimulado, de alguns colegas de trabalho.
Do nada, alguém tascava-lhe uma daquelas frases, sabe, que a gente diz – Num entendi… O que fulano queria mesmo dizer?!, forçando-nos a parar e a pensar sobre o seu real significado.
— Inveja!, disse-lhe eu, sem pensar… E cá fiquei a imaginar o que quis mesmo dizer com isso…
Há certas palavras que são elásticas, e inveja é uma delas. Felicidade é outra. De tanto a gente imaginar o que significam, cada um de nós, a seu modo, tentando conceituá-las, elas crescem igualzinho a bexiga de aniversário. Inflam tanto que às vezes perdem seus sentidos e acabam por não nos dizer nem acrescentar nada.

Guardei comigo a palavra que disse e as reclamações de meu amigo. Ruminei! Assim fiquei pelegando por um bom tempo talvez em razão do estrago visível que esses comentários advindos do nada lhe causaram e que, por ser seu amigo, também me infligiram certo desconforto. Suas pontuais reclamações despertaram-me tenebrosas lembranças de uma época em que fui vítima de pessoas invejosas que tentaram deixar, sem sucesso, muito mais do que marcas profundas em minha alma. A vida naqueles idos não foi fácil, mas hoje não guardo sequer um naco acinzentado daqueles tempos.
Inveja é mesmo uma peste! Dizem que causa mais estragos nos invejosos do que nos invejados. – Sei não, viu?! O invejoso provoca tanto desconforto que chega mesmo a alterar o curso de numerosas vidas alheias. Que abalo maior alguém poderá sofrer do que ter o rumo de sua existência avariado? Nenhum! Se o invejoso padecer de um mal maior do que esse, decerto dará um passo para além da fronteira da sanidade e será considerado um louco, necessitando mesmo ser tratado.
Desde os primórdios, a inveja faceiramente vagueia mundo afora. Francis Bacon, filósofo, ensaísta e político inglês, falecido em meados do século XVII, em um belíssimo ensaio, diz-nos que (…) a inveja é uma paixão calaceira, isto é, passeia pelas ruas e não fica em casa [1]. Googleando aqui, descobri que calaceiro é sinônimo de preguiçoso, malandro, vadio. Talvez seja mesmo por essa razão que causa tanto estrago na alma do infeliz que a carrega: além de passional, ela é malandra, esperta, vadia…
Considerada um dos sete pecados capitais, a inveja é o segundo na lista classificatória decrescente de São Tomás de Aquino, sucedendo a vaidade, primeiríssima no ranking dos que mais ofendem o amor (tá ai outra coisa que descobri: os pecados, sobretudo os capitais, mortificam o amor). Originaria de invidia (latim), a palavra, em seus primórdios, significava “olhar torto”, no sentido de “lançar mau olhado sobre”. É uma malquerença, uma malevolência (misericórdia, que todos os santos e anjos nos protejam de, nalgum dia e lugar, assumirmos a condição de invejados ou de invejosos, porque não há, para nenhum de nós, garantias de que jamais representaremos o triste papel ora de um ou de outro, quando não de ambos a um só tempo).
Na literatura e na filosofia, encontramos dezenas de passagens que lhe faz menção. Embora andarilha e perigosamente fagueira, ela não costuma ir muito longe, preferindo vagar pela vizinhança e se alojar entre os que partilham uma profissão ou mantém assíduo convívio social ou pessoal. Dito de outra forma, o ser possuído pela inveja está entre nós, compartilha os mesmos ambientes que corriqueiramente frequentamos, mostra-se muitas vezes solícito, amável, prestativo e, não raras as vezes, apresenta-se como nosso amigo.
É a proximidade – e não a diferença de classes ou o status social de cada um – que desperta, no comportamento das pessoas com as quais convivemos, essa qualidade de malquerença da inveja. O meu próximo é um perigo! David Hume, historiador, filósofo e ensaísta britânico do século XVIII, alerta-nos para isso. Segundo ele, (…) um soldado raso não nutre pelo seu general inveja comparável à que poderá sentir pelo seu sargento ou por um cabo; nem um escritor eminente encontrará tanta inveja por banda dos escritorecos vulgares como nos autores que dele mais se aproximam. [2].
Num é que é a mais pura verdade! Quantos homens e mulheres de uma mesma posição socioeconômica, gozando dos privilégios que uma classe abastada pode lhes conferir, não invejam a si mesmos sem motivo aparente? Quantos miseráveis não desejam a migalha do outro, que também é tão ou mais miserável do que ele? Quantos irmãos, filhos dos mesmos pais, que tiveram educação e tratamentos iguais, não cobiçam a condição de ser do seu outro, e assim o fazem de graça? Passaríamos dias enumerando casos semelhantes.
Conforme dito, o invejoso é nosso conhecido. Habita tanto a choupana quanto o palácio. Ele é doméstico. Ele é próximo. Padece de uma paixão andarilha e malsã que, como bem salientou Francis Bacon, passeia desocupadamente pelas ruas à procura de algo que lhe sacie a sede implacável sabe-se lá de quê. O objeto de sua cobiça está circunscrito a um território que lhe é familiar e que, por motivos que se desconhecem, acredita ter-lhe sido surrupiado. Para tê-lo de volta, o possuído pela inveja se servirá das mais escabrosas artimanhas e as executará, magistralmente, a um ritmo frenético que beira a loucura.
Muito há o que se considerar sobre a inveja, o invejoso e o invejado. Como se trata de uma palavra elástica a nomear um comportamento de igual modo elástico, é difícil mesmo conhecer todas as suas nuances, qualidades e extensões. O de certo é que ela está presente, desde seus primórdios, em toda a história do homem e que, apesar de aparentar-se diabólica, é humana, demasiadamente humana. Dito isso, cuidemos de olhar em nosso entorno com o fito de saber com quantos sorrisos se faz um amigo. Tratemos todos com respeito e dignidade, inclusive os invejosos, e sigamos adiante, perdoando sempre, porque, no virar da próxima esquina, quem sabe se não estaremos nós, sem nos apercebermos, maldizendo a vida alheia.
Essa foi a reflexão que eu e meu amigo fizemos sobre aqueles que nos invejam e aquilo que invejamos. Aprendemos, a duras penas, identificar os que carregam consigo a maldita malquerença e a deixá-los vaguear rua afora, bem distantes de nossas casas, mas sem maldizê-los. Se esse é também um de seus problemas, faça assim como fizemos. A vida não será um mar de rosas, mas, por certo, muito mudará para melhor.
HERBERT DE SOUZA

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